outubro 4, 2022

Você sabia que no dia 11 de outubro comemoramos o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física?

O Serviço Social enquanto categoria profissional pretende em seu projeto ético político identificar no processo histórico as exclusões sociais e econômicas das pessoas com deficiência, bem como as suas lutas pela elaboração, promoção e garantia de direitos humanos e, ainda, estimular no processo de formação do discente de Serviço Social o engajamento na atuação profissional na luta pela autonomia e independência das pessoas com deficiência. Destarte, discutir a inclusão social e a diversidade de grupos societários.

Nessa perspectiva, apresentamos um breve histórico das lutas e conquistas obtido pelo movimento nacional de pessoas com deficiência no Brasil, desde o Império até o século XXI. O processo histórico, político e social vivenciado por pessoas com deficiência desde meados do século XIX até a atualidade culminou na organização política do movimento e da sociedade civil, a qual impulsionou a criação de políticas públicas, programas e ações específicas a este segmento.

No período Imperial no Brasil as práticas de exclusão ocorriam no seio familiar ou nas Santas Casas, Hospício Dom Pedro II (1841), ou em prisões. As pessoas com hanseníase eram isoladas em espaços de reclusão, como o Hospital dos Lázaros, fundado em 1741. Durante o século XIX, apenas os cegos e os surdos eram contemplados com ações para a educação.

A exemplo disso, em 1854 é criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (Instituto Benjamin Constant - IBC); em 1856, é fundado o Imperial Instituto dos Surdos- Mudos (Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES). Esses institutos inicialmente eram internatos para a educação, alfabetização, religião e trabalhos artesanais. Após a Proclamação da República cai o “imperial” dos nomes dos Institutos.

Em 1829, foi criado o sistema Braile, o qual possibilitou a educação e a profissionalização dos cegos.

No Brasil, no final do século XIX, foi forjado por membros do Instituto Benjamin Constant (IBC) o Grêmio Comemorativo Beneficente Dezessete de setembro, o mais próximo do que seria o modelo associativista dos cegos nos anos de 1950.

Até os anos de 1970 o foco era na educação, caridade e assistencialismo. Nesta época instituições, como as Sociedades Pestalozzi e as Associações e Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE eram voltadas para a assistência das pessoas com deficiência intelectual (atendimento educacional, médico, psicológico e de apoio à família). Havia, também, centros de reabilitação, como a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) e a Associação de Assistência à Criança Defeituosa – (AACD), dirigidos, primeiramente, às vítimas da epidemia de poliomielite.

Nos finais dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, o movimento, enquanto agente político de mudança, era composto por cegos, surdos, deficientes físicos e hansenianos. Essa multiplicidade de atores terminava por limitar a apresentação e especificidade das demandas por segmento, então, criaram as Federações por tipos de deficiência.

No final século XIX, a assistência às pessoas com deficiência era pautada no modelo médico, o qual as tratava como “pacientes” focando apenas na “deficiência” que possuía, pautado na utilidade que estas teriam à sociedade. A mudança na perspectiva ocorrerá somente a partir da década de 1980 com o modelo social.

Esse compreende que o modo como a sociedade estabelece relações e condições para a pessoa com deficiência estar na sociedade condiciona a exclusão social e, consequentemente, os desafios enfrentados cotidianamente, por meio de percalços criados através das atitudes, ao meio ambiente e as instituições.

É importante destacarmos que algumas terminologias utilizadas até meados do século XX, hoje estão ultrapassadas, como: inválidos, incapazes, aleijados e defeituosos. Nos anos de 1970, serão designadas como “pessoas deficientes”, a fim de evitar a coisificação; na década de 1980 “pessoas portadoras de deficiência”, a deficiência como um detalhe da pessoa. Por fim, no século XXI “pessoa com deficiência” na perspectiva de diminuir o estigma causado pela deficiência.

Até meados do século XX a ação do Estado ainda era limitada no que se refere às pessoas com deficiência, embora tenha ampliado os institutos de cegos e surdos para outras cidades, era limitada a este público. No início desse século, começam a ser organizadas ações da sociedade civil para a assistência nas áreas de educação e saúde voltadas às outras deficiências. É quando surgem os primeiros centros de reabilitação física motivados pelo surto de poliomielite.

Nesse período, inicia-se o movimento pestalozziano “Criado, em 1926, o Instituto Pestalozzi de Canoas, no Rio Grande do Sul. Em 1945, foi fundada a Sociedade Pestalozzi do Brasil [...]. A criação da federação, também por iniciativa de Helena Antipoff quem fomentou o surgimento de várias sociedades Pestalozzi pelo Brasil. O termo “excepcional”, no lugar das expressões “deficiência mental” e “retardo mental” [...] origem da deficiência vinculava-se à condição de excepcionalidade socioeconômica ou orgânica, foi introduzido por Helena Antipoff. Atualmente, são cerca de 150 sociedades Pestalozzi filiadas à Fenasp (LANNA, 2010)”.

Em meados do século XX, surge o movimento apaeano “A primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) foi fundada em 1954, no Rio de Janeiro, por iniciativa da americana Beatrice Bemis, mãe de uma criança com deficiência intelectual. Atualmente, a Fenapaes reúne 23 federações estaduais e mais de duas mil APAEs  distribuídas por todo o País. Essas organizações constituem uma rede de atendimento à pessoa com deficiência que presta serviços de educação, saúde e assistência social. O atendimento é voltado para as pessoas com deficiência intelectual e múltipla (LANNA, 2010)”.

Nesse mesmo período, sob o paradigma do modelo de reabilitação do pós-guerra, são criados os centros de reabilitação para atenderem as pessoas com poliomielite. Em 1950, a Associação de Assistência à Criança Defeituosa (AACD) de São Paulo (hoje Associação de Assistência à Criança Deficiente); em 1954, criada a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR); em 1956, criados os cursos de graduação em Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Escola da Reabilitação da ABBR. Destacamos que a primeira entidade nacional foi o Conselho Brasileiro para o Bem-Estar dos Cegos (CBEC), fundado no Rio de Janeiro, em 1954, “Precedendo a transição de duas visões de mundo: do modelo médico ao modelo social com base nos Direitos Humanos (LANNA, 2010”).

A partir de meados do século XX, o movimento de associativismo das pessoas com deficiência construindo suas próprias organizações começam a se espalhar pelo Brasil e mundo. Surdos, cegos e deficientes físicos, ao se fortalecerem em seus próprios grupos para sobreviver e enfrentar o cotidiano, semeou o que seria o movimento político organizado das pessoas com deficiência fortalecida, principalmente, nos anos 1970.

Um texto de lei dessa década que marcou a organização do movimento de associativismo das pessoas com deficiência foi a “Emenda Thales Ramalho”, emenda n° 12, de 1978, a qual assegurava “aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica, especialmente mediante: I. educação especial e gratuita; II. assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; III. Proibição de discriminação, inclusive quanto a admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários; IV. possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos”.

A resistência dos cegos, surdos e pessoas com deficiência física resulta em novas organizações associativistas: clubes, associações desportivas, grêmios, entre outros. Com o amadurecimento ocorrido nas organizações durante a década de 1950, nos anos de 1960, as organizações, além da busca por espaço e valorização no trabalho, “lutavam por educação, profissionalização, cultura e lazer (LANNA, 2010)”.

Na década de 1980, a promulgação, pela ONU, em 1981, do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD) é um marco do movimento (inter)nacional das pessoas com deficiência.

No Brasil, período de redemocratização, onde os movimentos sociais e a sociedade civil organizada fortaleceram espaços para apresentar as suas demandas, as suas forças políticas. É quando o movimento de pessoas com deficiência rompe com o paradigma de x para, quando define a diferença entre as organizações de pessoas com deficiência das organizações para pessoas com deficiência. A primeira foi criada, gerida e integrada por pessoas com deficiência, senão na integralidade de seu quadro, pelo menos na maioria dele. A segunda eram as entidades cujas ações se voltavam para as pessoas com deficiência que não participavam da tomada de decisão.

Fruto desse posicionamento foi a Coalizão Pró-Federação Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, criada em 1979, buscava pensar uma agenda de reinvindicações e estratégias únicas para o movimento, a partir da reunião de representantes de vários Estados e de diferentes tipos de deficiência. Cabe destacar que o movimento nesta época intencionava romper com o paradigma da caridade/paternalista que permeava diversas entidades e instituições. Isso porque visava tornar as pessoas com deficiência os protagonistas da sua própria história.

Com o amadurecimento do movimento, com diferentes demandas e especificidades apresentadas por cada segmento, a federação única foi substituída por federações nacionais por tipo de deficiência. Findando a Coalização e iniciando a fundação de organizações formadas e geridas por grupos: cegos, surdos, pessoas com deficiência física, e pessoas atingidas pela hanseníase (Morhan).

A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) foi um importante acontecimento para o movimento das pessoas com deficiência, a partir da qual foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil - “Constituição Cidadã”. Um dos resultados da constituinte foi a emenda Popular, n° PE00077-6 que substituiu a proposta de seguro-reabilitação para a do pagamento de um salário mínimo mensal às pessoas com deficiência que não tivessem meios de se manter. Então, surge o Benefício da Prestação Continuada (BPC)!

Após a constituinte ocorreu a “Superação da lógica da segregação presente na proposta do capítulo “Tutelas Especiais” e incorporado, mais do que direitos ao longo de todo o texto constitucional, ao menos pelo viés legal, o princípio da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade” (LANNA, 2010). Outras conquistas resultantes da ANC foram: o Plano Nacional de Ação Conjunta para a Integração da Pessoa com Deficiência que “pretendia criar planos e programas governamentais voltados para a integração social da pessoa com deficiência” (LANNA, 2010). A Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência foi promulgada em 1993. Em 2009, o Decreto n° 6.980 criou a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O Decreto n.° 7.256, em 2010, aprovou a Estrutura Regimental da Secretaria de Direitos Humanos e criou a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Em 1999 - Decreto n° 3.076 cria o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE que era deliberativo de composição paritária entre Poder Público e sociedade civil.

No século XXI, as conquistas do movimento continuam, como: o decreto da Acessibilidade; a Lei do Cão Guia; a ratificação da Convenção da ONU sobre os direitos das Pessoas com Deficiência; foram realizadas duas Conferências Nacionais dos Direitos da Pessoa com Deficiência;  participação do Brasil no processo de elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, entre outras.

Essa convenção versou sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, ao promover e proteger os direitos humanos, a dignidade das pessoas com deficiência e a não discriminação. Por meio da Resolução n° 61/106, a Assembleia da ONU aprovou a Convenção em dezembro de 2006.

No Brasil, a Convenção, ratificada em 2008, fortaleceu o movimento. A partir desta o “termo deficiência é estabelecido como resultado da interação entre a pessoa e o ambiente [...]. As intervenções junto a esse segmento são alteradas, pois são as barreiras interpostas entre a pessoa e o ambiente que determinam a deficiência (LANNA, 2010)”.

As conquistas do movimento de pessoas com deficiência e da sociedade civil apoiadora foram vitais para o surgimento de políticas, programas e ações públicas no século XXI!

Referência:

Lanna Júnior, Mário Cléber Martins (Comp.). História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil. - Brasília: Secretaria de Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2010.

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